Dysfemismo

Friday, January 30, 2009

Numa manhã como esta (ou, "do bidê")

Acordo em com uma ressaca abominável, sento na privada para defecar objetos não identificáveis de uma noite quase tão inacessível à minha memória quanto minhas experiências empíricas da noite anterior, enquanto sondo o ambiente toalético em busca de algum maço de cigarro que satisfaça as duas condições básicas de uma manhã como esta: que não esteja vazio, e que esteja ao alcance de minhas mãos. Sou feliz e taco fogo. Os isqueiros em minha casa são mais promíscuos do que uma orgia do Calígula, é aquela velha Lei da conservação da matéria: o mundo inteiro reclama que os isqueiros somem, os meus se multiplicam.

Sou uma espécie de Ladrão Kármico.

Mas o ponto aqui é que o bidê é meu amigo. Em primeiro lugar, você leva o dobro do tempo que leva pra cagar para se limpar a seco; com o bidê, não dá nem tempo de terminar o primeiro cigarro. Em segundo, você tem uma escarradeira maior do que a dos velhos tempos e num lugar mais apropriado; e, terceiro, você não precisa de cinzeiro no banheiro. Nem uma prostituta russa com duas gramas de cocaína colombiana me seria mais útil, numa manhã como esta.

Pensando melhor, talvez eu esteja errado. Se eu tivesse a opção, teria escolhido a prostituta russa com as duas gramas. Mas é uma grande e apreciável virtude estar plenamente satisfeito com o que você tem.

Admito, no entanto, que seria uma virtude maior ter uma prostituta russa de manhã com duas gramas de cocaína te esperando acordar.

é tudo por hoje, crianças.
Boa noite.

Tuesday, January 06, 2009

Terapia e Fantasmática Urbana

É sexta-feira e você, desesperado de tédio, frustrado por não ter conseguido sair com nenhuma das meninas apresentáveis da sua lista do Messenger, acaba convidando pra sair aquela que esteve sempre disponível mas que você nunca ousou chamar pra sair por bom senso.

Mas eis que o bom senso flerta com o desespero, reina o tédio e você a convida para sair. Afinal de contas, ela tem a mesma interface que as outras 6. Mas sua chegada reacende as chamas da razoabilidade e você decide alugar filmes. Filmes horríveis, que você não iria querer assistir sozinho, quanto mais mal-acompanhado. E então, beware, pois aí jaz um dos maiores fantasmas urbanos de nossos tempos: o descompasso entre o filme e a caixinha. É quando nossos aparatos psíquicos se voltam contra nós, quando você preferia ter esquecido aqueles filmes, aquela moça e aquele dia inteiro, que os filmes e a caixinha perdem sua sincronia no espaço-tempo.

Enfim: embora nossos poderes humanos sejam tais que somos capazes de uma nova sincronia espacial entre eles, a um custo de energia e atenção mentais, a sincronia temporal é muito mais dolorosa – ela requer dinheiro, rios de dinheiro. Porque uma vez que você foi dormir depois deste dia que quer esquecer, você plantou uma bomba relógio na sua sala, que só vai estourar quando você, entediado de novo, vai procurar um filme que você já viu na sua pilha de filmes e descobre uma caixinha vazia de um filme deprimente que te desperta memórias que deveriam ter permanecido muito além da sua consciência desde então. E cada dia que passa desapercebido representa um aumento monumental no desastre que já aconteceu.

O que me faz pensar que talvez a terapia seja justamente isso: o preço ultrajante que você é obrigado a pagar por ficar encontrando fatos que deveriam ser vagas e inofensivas memórias.