Dysfemismo

Friday, July 27, 2007

Prefácio Intelectualíssimo ou De minha infância (Atualizado ao fim)

Arremesso de Apagador

Embora seja uma modalidade extremamente perigosa, e apenas uma vez na história de minha infância presenciada com tanto ímpeto, é digna de nota: consiste primeiramente no abiscoitar de um dos apagadores da sala antes de aula, e, durante a mesma, arremessá-lo em direção às costas da professora; no caso, acertando pouco mais de um palmo a sua direita, o que o estatelou violentamente no quadro negro. O evento resultou na expulsão da metade direita da sala de aula, já que o jovem aluno responsável pelo arremesso era por demasiado amedrontador para ser encarado pela professora de matemática sozinha.

Arremesso de Cadeado

Modalidade consideravelmente mais violenta, especialmente porque, na situação em questão, o objeto de arremesso é não só mais denso quanto efetivamente acertou seu alvo, no incisivo esquerdo. Resultou do stress entre membros de um grupo de trabalho sobre as vanguardas artísticas do Século XX.

Apagador

O apagador é um protagonista de diversas histórias da referida década, constituindo objeto canalizador de grande energia rebelde, pois poderia ser permanentemente roubado, arremessado, utilizado para emporcalhar uns colegas ou ser colocado secretamente nas mochilas de outros, com intuito de sujar seu material, de incriminá-los pelo roubo, ou de fazê-lo sentir-se mal pelo fato de que havia trazido um apagador da escola para casa.

A Descoberta da Cropofilia

Um dos membros do grupo, renomado pela sua infinita capacidade de criar nomes ofensivos a seus colegas que se espalhavam instantaneamente e ad eternum, e pelas suas inigualáveis capacidades nos jogos derivados de tetris, pega uma lata de coca cola vazia e coloca-a delicadamente sobre fezes de cavalo. Em seguida, a oferece a seu colega – este, marcado pela sua homofobia patológica precoce - que aceita-a de bom grado e a coloca na boca. Descobrindo-a vazia, percebe que fora engambelado pela turma - já que todos estão rindo de sua pessoa. Após minutos dolorosos de riso, o evento ficou conhecido como “Quando ele comeu merda”, embora seja sabido que ele somente encostou seu lábios aonde ela havia sido colocada.

A Vendeta

Após o evento cropofílico, foi intentada – inclusive, com grande ajuda dos outros colegas presentes que não participaram do primeiro evento, mas que não negariam uma possibilidade de participar de algo tão grandioso – a infâme depreciação da escova-de-dentes alheia. Isto foi feito por diversos membros do quarto da turma, e foi acompanhado de fotos que comprovam que a escova serviu tanto para limpar as solas dos sapatos dos colegas quanto para lustrar a privada.

Tentativa de Assassinato

Descobrimos a certa altura do ginásio que podiamos enforcarmo-nos mutuamente, com consentimento igualmente mútuo, com intuito de desmaiarmo-nos. A diversão individual consistia no momento da perda da consciência, antecipando o que buscaríamos anos depois com o alcool. A diversão coletiva, é claro, consistia na perda da consciência alheia.
A prática era logicamente muito cautelosa, e tomavamos o cuidado de que ninguém caísse de costas no chão. Um belo dia, porém, um colega caiu de cara e quebrou uns dentes ou o nariz ou algo que o valha. A diretora endemoninhou-se (termo de acordo com a tradução do aramaico dos evangélios sinóticos de humberto rodhen) e acusou o aluno executor de tentativa de assassinato, embora fosse todo um ritual coletivo e que o executir fizesse apenas a parte de maior responsabilidade - mas as diretoras e orientadoras provavelmente estudam pedagogia, e não semiótica, e, logo, falham em perceber o intrincado sentido cabalístico de cada um desses rituais. Talvez seja justamente isso que ensinam na faculdade de pedagogia: tornar-se uma entidade odiada por todos os alunos que ama, e, desta forma, ensiná-los exatamente como não se deve proceder. Mártires, as diretoras. O ofício mais nobre da civilização.

Saturday, July 21, 2007

Fama Fraternitatis Pornografeae Crucis (A Conspiração da Pornografia)

Magnífico, diabólico e impecável conciliábulo. Ostenta inclusive o mais imprescindível a qualquer conjuração secreta: a perfeita ocultação.

Senhores, encontramo-nos em um mercado repleto de companhias de anti-vírus milionárias (repleto? Quis dizer, monopolizado. Mas enfim, cheio, como um copo cheio de um líquido puro apenas, h20 destilado), fazendo fortuna sobre a infestação dos computadores. Aparentemente, a grande maioria dos cidadãos considera esta uma inefabilidade tão óbvia e incontestável quanto que sexo desprotegido pode causar doenças venéreas.

Ilustres cavalheiros de minha ignominiosa espécie: perguntem a suas respectivas ilustríssimas glândulas pineais porque haveriam os vírus virtuais de espalharem-se justo por sobre a imaculada pornografia virtual? Pois, obviamente, ela é exatamente o lugar em que deixa de ser suspeita, já que a população ignobilizada pelo cristianismo de massas resigna-se na impureza intrínseca de seu ato tão virtual quanto pecaminoso. Punidos por Deus, são todos os que incorrem ao simulacro do pecado carnal.

Outra possibilidade, não muito mais razoável, é a de que todos os Hackers são a Poderosa Mão de Deus, os Paladinos da Justiça Virtual – punindo aqueles que precisam ser redimidos de seus pecados, através da contração de vírus virtuais. Lindo. Afinal de contas, aqueles que passam anos estudando qualquer coisa sempre as usam para destruição do próximo sem absolutamente nenhum benefício. O que também não faz o menor sentido, se me permitem – os mecanismos da natureza jamais apontam para o dano a outro sem beneficio próprio como um caminho de seus organismos (salvo alguns daqueles corrompidos pela sua psique, o que também não constitui regra). O mal só é praticado quando traz benefício ao praticante. É óbvio.

E o que podem ganhar, por deus, pergunto-lhes, magnânimos leitores? Nada, a menos que estejam ligados às empresas de anti-vírus que aproveitaram-se de uma tendência natural (afinal, a pornografia é sempre vista como pouco segura aos olhos do cristão) e de pequenos casos bem sucedidos de hacking em massa para esconder-se sob o véu da moral, o calcanhar de aquiles da humanidade – explorar nossa ingênua cristandade para fazer lucro. Magnífico, diabólico e impecável conciliábulo.

E é aí que entra o Linux. Porque, pergunto-lhes, os seus usuários não são molestados pela Irae Dei omnipotentis, a fúria inefável de Aion Teleos, o Demiurgo? Porque o Linux é impenetrável? Creio que se moleques invadem a NASA e a receita federal americana, que seguramente não usam windows, e filósofos herméticos inventam coisas como ad hoc ergo ante hoc, retrocausalidade (e depois, fisicos quânticos as comprovam), não demoraria muito tempo até que esses malévolos hackers que supostamente procedem infectando os computadores alheios sem o mais ínfimo benefício próprio decidissem trazer a peste, a dor e a miséria, para o plano alternativo dos usuários de Linux.
Ora, isso não acontece, e nem acontecerá: quem financiaria tal atividade, quando não há possibilidade de lucro em um sistema baseado nos princípios de open source e free
software?



**Ou ainda, se não lhes parece muito razoável: é perfeitamente possível que A Ordem dos Templários esteja a punir os que visitam sites de pornografia, como paladinos de um Plano secreto para vingar Jacques de Molay, preparando terreno para a dominação mundial.

Thursday, July 19, 2007

Crede Firmiter Et Pecca Fortiter

- Mas porque tanto ódio ao sincretismo religioso?
- Ora. Um corpo religioso coerente já me dá náuseas. Mete-os todos num caldeirão de inefabilidade feijoádica, salpica pimenta espanhola, molho barbecue do McDonalds e duas folhas sobre os templários, e me perguntas se o gosto está bom?
- Dramático. Isso é porque sua alma falha em perceber a Verdade Una de que todos os corpos fazem parte.
- Nonsense. Isso só não me é mais absurdo do que comprar vinagre por alguns milhares de dólares porque o Robert Parker o aprovou, inventar rituais místicos de apreciação (que me parecem tão absurdos quanto ritualizar-se pra cagar esculturas renascentistas) e depois discutir sua nobreza.
- Queres que eu te explique porque vinagre e vinho são absolutamente diversos?
- Sim, é claro. Aproveita e me prova que a ditadura do Mao é mais correta do que a ditadura do Hitler. É só arrumar parâmetros que todos louvam a sua verdade. Especialmente se você explicar as coisas usando termos como alma.

Wednesday, July 11, 2007

"Você Acredita em Deus?"

Em primeiro lugar, Deus, por essência-definição, é inescrutável, inefável, inexorável, inetc; ou seja, alem de nossas possibilidades racionais – o que significa que no processo de comunicação da pergunta em questão este conceito será obscurecidamente resignificado quando sair de sua boca e aventurar-se pelos ouvidos de seu interlocutor, thus, aproximando-se do não-conceito, do incomunicável.

Em segundo lugar, “acreditar”, crença, na supramencionada questão, é outro termo que intencionalmente aproxima-se do insignificável na proximidade do termo Deus, afinal de contas, pode-se dizer que se acredita em amor, dor, em abajur, ou em Deus com a mesma certeza – são todos termos existentes, verifiques no dicionário se duvidas. Mas não é este o sentido da palavra acreditar quando te fazem esta pergunta, mas um outro sentido que ela carrega quando participa de um todo significativo ao lado de termos inetecteráveis.

E, em terceiro lugar, que diferença faz? (o que é uma pergunta que todos devem fazer a si mesmos quando estão prestes a perguntar alguma coisa, afinal de contas)

Em minha onipotente opinião, esta pergunta tem como finalidade a sua utilização interna como Argumento de Negação Pessoal (nos quais são especialistas os seres psíquicos, em especial os marxistas, psicanalistas, cristãos, e seguidores de outros corpos teóricos tautológicos): considere um questionador ateu, cético, argumento em favor de determinada posição contra determinado interlocutor; a pergunta serve para acalentar sua descrente alma quando ouvir a resposta positiva. “Ah, agora esta explicado”, é o que dirá a si mesmo e a todos que desejarem ouvi-lo. É um pobre, crédulo e descartável interlocutor, logicamente que discorda de minha posição – pois acredita em algo tão absurdo quanto obviamente criado quanto Deus. No caso de os papeis comunicativos serem invertidos, a resposta negativa serve da mesma forma ao believer questionador: “mas é claro que discordas de minha posição, oh, pobre cético ateu, já que falhas em captar a mais fundamental das verdades do universo”.
Voilà, o argumento interno de negação pessoal.


No caso de ambos concordarem na complexidade da questão, no sim, no não, no depende nominalista cientificista ou pós-moderno, reitero a questão: que diferença faz?

É, portanto, uma pergunta acusatória ou inútil. Nego-me tão frequentemente a respondê-la quanto me decido a jogar o jogo do crente e do descrente no caso de encontrar algum interlocutor incomodado com minha recusa. O fato é que dentro de minha linha de raciocínio, quando é feita uma pergunta em que todos os substantivos e verbos são desprovidos de sentido objetivo, o processo comunicativo é interrompido por falta de significado interno e a pergunta torna-se, enfim, vazia.