Dysfemismo

Saturday, November 22, 2008

Furor Sintético e Suspeita

Discutimos sobre manifestações do exercício do poder, e desvelamos esse exercício a própria causa daquilo que justifica esse exercício (toma-se uma propriedade, exerce-se poder para sua manutenção e justifica-se o exercício deste poder na existência de ‘desviados’ que querem tomar para si esta propriedade que já não é mais coletiva, etc.).

E acontece que esse passo é muito claro, pois nos é evidente que colocar pessoas convivendo entre si num sistema de propriedade privada leva inevitavelmente a uma serie de crimes de subversão dessa propriedade, porque naturalmente tanto os que a tem quanto os que não a tem desejam-na.

No entanto, embora o poder em função da manutenção da propriedade privada represente boa parte do nosso exercício de poder, resta ainda o poder exercido sobre a aberração psíquica, o desviado moral, para conter suas práticas nocivas à nós. Este é identificado como essencialmente desarmônico, como inconciliável. São as crianças que ‘estragam’ sempre os brinquedos, e assim justificam que o brinquedo x seja só do irmãozinho que ‘cuida’ das coisas; justificam também que o que estragou seja castigado, embora saibamos que isso não vai mudá-lo. essa pessoa não pode ser convencida a não 'estragar' as coisas, ainda que sejam coletivas: ela precisa ser restringida, caso contrário estraga, estupra e abusa. Mas não é bem uma pessoa, a gente identifica 'essa pessoa' sempre em particulares, e então generalizamos num conceito (mas embora estejamos falando de medidas não aparentes, de algo que não existe, estes conceitos nos servem como ferramentas de compreensão, mas só podem nos servir de qualquer coisa se estivermos atentos a o que estamos fazendo com ele).

Não pretendo aqui investigar a causa de cada desvio, mas só questionar: será que é possível que eles sejam mesmo ‘desviados naturais’, ‘desviados sem causa’, que continuariam se proliferando aos montes ainda que todo o poder governamental (ou dos pais) fosse exercido contra o exercício do poder de si mesmo, ainda que vivêssemos em completa e hegemônica anarquia? Porque estes casos me parecem a última alternativa, o único material sobre a qual se justifica todo o exercício do poder – porque só na atribuição de desvios ‘sem causa’ é que seria vão todo o trabalho de identificação e subversão de causas deste desvio e produtivo somente o trabalho na direção da coerção dos desviados. Só se pode obrigá-los, forçá-los, prende-los e puni-los. Em suma, aquela mesma coerção que o próprio Skinner identificou como ineficiente e produtora de comportamentos horríveis diversos.

Ainda, estas causas, para que sejam desveladas, requerem um trabalho 'genealógico' minucioso que não costuma caber em discussão alguma. A preguiça, o horror ao tamanho de um texto ou à complexidade (quantidade de elementos) de uma discussão repelem-nos de tudo o que não seja senso comum. Mas resta a discussão, a pergunta (serão estes desvios também causados por algum exercício do poder que poderia ser combatido, ou seriam realmente eles inevitáveis?).

Temos como informação: estes desvios sempre estiveram ai, repetindo-se por todos os lados. Temos nomes para quase todos eles, sabemos reconhecer sua presença em toda a história. E os exercícios do poder suspeitos de serem suas causas estiveram também sempre por aí.

O que eu costumo fazer é apontar que essa suspeita é absolutamente legitima e merece muita atenção, ainda que na forma de suspeita e não de discurso verdadeiro. E o que costumam fazer comigo é apontar que minha suspeita é infundada justamente porque ambos estiveram sempre aí - e a produção de um discurso que, embora seja reconhecidamente infundado, pretende-se como ‘substituto’ do conhecimento, como uma ‘verdade mais provável’ e superior de alguma forma à suspeita.

Nesse furor sintético, nesse desejo de não terminar a conversa de mãos vazias, é melhor uma verdade provável do que uma suspeita legítima. Porque Suspeita não é nem tese, nem antítese nem síntese, ela quase que não é - só tem valor quando consagrada, quando deixa de ser suspeita.

Monday, November 10, 2008

Qual seria o tamanho maximo que um texto pode ter para que não cause estímulos extremamente aversivos no leitor que, horrorizado, não pode senão fechar o explorer?

Monday, November 03, 2008

Imagens Horríveis

Perguntei a mim mesmo: “Porque colocar Imagens Horríveis [uma barata morta] ou frases horríveis [Smoking causes a slow and painful death] nos maços de cigarro?”


1. A primeira resposta possível, análoga a uma profunda ignorância generalizada (e que é justamente por isso a primeira resposta possível) é: para punir. Você faz algo que não devia, então te punem. Mas nesse caso é uma espécie de punição permanente e simultânea, ela está sempre lá e você está sempre fazendo esse algo errado. No entanto, essa resposta, ainda que como primeira resposta, é descartada mesmo pelo mais ingênuo pela razão de não acreditarmos que as coisas funcionam assim, e de fato não funcionam. Falta qualquer razão para justificar tanto a punição quanto a adoção dessa medida em função da punição (Embora este tipo de medida, bem como leis sobre a proibição do aborto, do consumo de drogas, da eutanásia, etc. acabem se revelando alheias ao que ao campo de operação de qualquer legislação legitima – porque dizem respeito à relação de um homem consigo mesmo, e não à relação entre membros da comunidade política). O que nos leva à segunda razão:

2. Para conscientizar. Esse é um termo que eu acho maravilhoso, especialmente nestes contextos. Porque, vejamos, me parece que ser conscientizado é tomar consciência (perceber que percebe). Mas não é exatamente isto que este termo quer dizer aqui, ele implica uma tomada de consciência² no sentido de conhecer as implicações subjacentes do fenômeno (entender seu contexto, suas causas, suas conseqüências, etc.) e não somente aperceber-se dele (P percebe x e está consciente de que percebe x). E, afinal, que melhor meio de conscientizar² alguém do que com Imagens Horríveis? Esta pergunta nos faz, então, abandonar esta possível resposta... porque não só é auto-evidentemente errrada como se eu começasse a enumerar melhores formas de conscientizar um sujeito este texto ficaria longo demais.

3. A terceira é a variante cínica da lógica ingênua: para se isentar de culpa, já que proíbem todas outras drogas, as que são permitidas acabam sujeitas a um mar de proibições pontuais (e aí entram as citações das cidades nas quais nem se pode fumar em lugar fechado algum, tomar álcool nas ruas sem um saco de pão cobrindo a garrafa, etc.). É uma variante da primeira no sentido de que as coisas simplesmente não funcionam assim (o governo não é um sujeito) embora a primeira agora já não pareça tão longe da verdade quanto de inicio, o que me leva à quarta resposta.

4. Esta é uma resposta problemática, mas é também minha preferida. É assim: fumar é feio*. Beber é feio*. Tudo bem fazer de vez em quando, mas não sempre. As pessoas fazem sempre. Não tem como obrigar as pessoas a pararem de fumar, nem proibindo, e todo mundo sabe que isso não faz sentido, pelo menos não nesse momento histórico. Mas dá pra atrapalhar (uma variante da punição). E está é a parte implícita do raciocínio, porque o que na verdade acontece depois da parte de ‘não da pra proibir’ é uma espécie de síntese imaginativa entre uma diversidade enorme de frases do senso comum, de resultados de pesquisa que não vêm acompanhados de seus parâmetros de verificação, mas de uma manchete jornalística**, que produz uma ‘idéia’ que está de acordo com a “ciência”. Esta idéia é, por exemplo, Imagens Horríveis. E, em ultima instância, pelo menos eles não estão de braços cruzados, estão fazendo alguma coisa!... e é fechada a grande tautologia do senso comum. Qualquer esforço bem intencionado é justificado, e ninguém precisa se preocupar em realmente fazer o melhor. Durmam bem.

*uso feio aqui porque me parece ser um fenômeno estético, da percepção... ainda que seja possível que a causa desta percepção seja esta ‘conscientização’ (por Imagens Horríveis, campanhas e frases do senso comum), isto não muda o fato de que é um fenômeno da percepção – e, como tal, pertencente à estética.

**Porque o interessante é que previam [e alguns ainda acreditam que as coisas se passam assim] a mídia em massa como uma arma do governo para controlar a população e, no fim das contas, os jornalistas e os políticos são tão crédulos quanto qualquer outro: céticos quanto a pontos irrelevantes, paranóicos e ignorantes quanto aos fundamentos mais evidentes. Ninguém está isento dos satélites de senso comum porque somos antenas de senso comum.