Dysfemismo

Monday, November 03, 2008

Imagens Horríveis

Perguntei a mim mesmo: “Porque colocar Imagens Horríveis [uma barata morta] ou frases horríveis [Smoking causes a slow and painful death] nos maços de cigarro?”


1. A primeira resposta possível, análoga a uma profunda ignorância generalizada (e que é justamente por isso a primeira resposta possível) é: para punir. Você faz algo que não devia, então te punem. Mas nesse caso é uma espécie de punição permanente e simultânea, ela está sempre lá e você está sempre fazendo esse algo errado. No entanto, essa resposta, ainda que como primeira resposta, é descartada mesmo pelo mais ingênuo pela razão de não acreditarmos que as coisas funcionam assim, e de fato não funcionam. Falta qualquer razão para justificar tanto a punição quanto a adoção dessa medida em função da punição (Embora este tipo de medida, bem como leis sobre a proibição do aborto, do consumo de drogas, da eutanásia, etc. acabem se revelando alheias ao que ao campo de operação de qualquer legislação legitima – porque dizem respeito à relação de um homem consigo mesmo, e não à relação entre membros da comunidade política). O que nos leva à segunda razão:

2. Para conscientizar. Esse é um termo que eu acho maravilhoso, especialmente nestes contextos. Porque, vejamos, me parece que ser conscientizado é tomar consciência (perceber que percebe). Mas não é exatamente isto que este termo quer dizer aqui, ele implica uma tomada de consciência² no sentido de conhecer as implicações subjacentes do fenômeno (entender seu contexto, suas causas, suas conseqüências, etc.) e não somente aperceber-se dele (P percebe x e está consciente de que percebe x). E, afinal, que melhor meio de conscientizar² alguém do que com Imagens Horríveis? Esta pergunta nos faz, então, abandonar esta possível resposta... porque não só é auto-evidentemente errrada como se eu começasse a enumerar melhores formas de conscientizar um sujeito este texto ficaria longo demais.

3. A terceira é a variante cínica da lógica ingênua: para se isentar de culpa, já que proíbem todas outras drogas, as que são permitidas acabam sujeitas a um mar de proibições pontuais (e aí entram as citações das cidades nas quais nem se pode fumar em lugar fechado algum, tomar álcool nas ruas sem um saco de pão cobrindo a garrafa, etc.). É uma variante da primeira no sentido de que as coisas simplesmente não funcionam assim (o governo não é um sujeito) embora a primeira agora já não pareça tão longe da verdade quanto de inicio, o que me leva à quarta resposta.

4. Esta é uma resposta problemática, mas é também minha preferida. É assim: fumar é feio*. Beber é feio*. Tudo bem fazer de vez em quando, mas não sempre. As pessoas fazem sempre. Não tem como obrigar as pessoas a pararem de fumar, nem proibindo, e todo mundo sabe que isso não faz sentido, pelo menos não nesse momento histórico. Mas dá pra atrapalhar (uma variante da punição). E está é a parte implícita do raciocínio, porque o que na verdade acontece depois da parte de ‘não da pra proibir’ é uma espécie de síntese imaginativa entre uma diversidade enorme de frases do senso comum, de resultados de pesquisa que não vêm acompanhados de seus parâmetros de verificação, mas de uma manchete jornalística**, que produz uma ‘idéia’ que está de acordo com a “ciência”. Esta idéia é, por exemplo, Imagens Horríveis. E, em ultima instância, pelo menos eles não estão de braços cruzados, estão fazendo alguma coisa!... e é fechada a grande tautologia do senso comum. Qualquer esforço bem intencionado é justificado, e ninguém precisa se preocupar em realmente fazer o melhor. Durmam bem.

*uso feio aqui porque me parece ser um fenômeno estético, da percepção... ainda que seja possível que a causa desta percepção seja esta ‘conscientização’ (por Imagens Horríveis, campanhas e frases do senso comum), isto não muda o fato de que é um fenômeno da percepção – e, como tal, pertencente à estética.

**Porque o interessante é que previam [e alguns ainda acreditam que as coisas se passam assim] a mídia em massa como uma arma do governo para controlar a população e, no fim das contas, os jornalistas e os políticos são tão crédulos quanto qualquer outro: céticos quanto a pontos irrelevantes, paranóicos e ignorantes quanto aos fundamentos mais evidentes. Ninguém está isento dos satélites de senso comum porque somos antenas de senso comum.

4 Comments:

  • *quando digo que não se deve legislar sobre isso, estou justamente dizendo que nao se deve legislar também sobre o não-isso, ou seja, que a decisão de permitir ou não permitir fumantes em um estabelecimento é a decisão do próprio estabelecimento, em função da clientela que pretende atingir..
    proibir que se fume em pub é quase tão absurdo quanto legalizar o estupro, porque é isso que está sendo legalizado, um abuso da liberdade de quem vai em pub e de quem tem pub, em função de uma rapsodia de frases do senso comum e de conclusoes dedutivas a partir dessas premissas inconsistentes...

    By Blogger Dr. Voldo, At 5:01 AM  

  • "uma barata morta"

    realmente, não poderia existir imagem mais horrivel (e, particularmente, traumatica) que essa...

    By Blogger Priscila Magossi, At 2:00 PM  

  • O objetivo parece ser desmotivar, em linha com o ponto 4.
    Pode funcionar um pouco no primeiro momento. Depois, passa a fazer parte da paisagem.
    É parte de um nefasto "faz de conta".

    By Blogger Flavio Ferrari, At 2:20 PM  

  • em vão, não? Porque os fumantes aproveitaram a idéia e recortaram imagens bonitas e colocaram em seus maços... (passou-me pela cabeça agora, aqueles quadros de publicidade em banheiro (não sei se os masculinos têm (é, ainda não bani o acento!)))

    By Blogger Érica Martinez, At 2:54 AM  

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