Falo, logo é[fiquei muito tempo sem escrever, agora volto com 4 paginas pra apedrejar voces; mas nao fiquem alarmados, é um texto razoavelmente leve e relevante pra qualquer um, juro. Muita correcao pra fazer, suponho. Como sempre, aprecio a ajuda dos leitores que sobreviverem ao texto]
Começo deixando claro uma aparente obviedade digna de nota: conceitos são nomes que funcionam, mas que não representam um objeto existente; unem sob si uma multiplicidade que legitimamente pode ser distinguida como unidade, de outras unidades. Por isto um conceito legitimo deve ser capaz de distincao e clareza, a multiplicidade que contem deve poder ser identificada como una e distinguida de tudo aquilo que tal conceito exclui.
É perfeitamente razoável que entre animais que falam compulsivamente - muitas vezes tendo a fala como próprio fim e não como meio de comunicação – e inventem palavras sem mais nem menos, existam vários nomes de gênese duvidosa - em mentes duvidosas de intelecto duvidoso - que, no entanto, acabam sendo usados com tal naturalidade ao lado dos cachorros e das cervejas que sao capazes de travestirem-se de conceito para a mais arguta das mentes.
Começo por capitalismo: gente, capitalismo não existe. Você não encontra ele em nenhum lugar, ele não bate na sua porta pra te amaldiçoar porque você está demorando no banheiro, não te liga de madrugada bêbado e muito menos está disposto a fazer sexo anal com você. Ele é um conceito, mais ou menos definido, que representa em economia um “determinado” (no sentido lato do termo, porque não é determinado o suficiente para ser usado como conceito sólido) padrão de funcionamento que não é muito claro pra ninguém; se fosse, provavelmente já o teríamos substituído – por razões que Marx já deixou suficientemente claras. Seja como for, e um conceito suficientemente claro e distinto para que se possa conhecer atrav'es dele.
Isso pode parecer trivial, mas é essencial. Porque ele não existe, ele é um nome dado a uma multiplicidade (não a uma unidade, o que é rigorosamente necessário ao conceito – esta totalidade sistemática distinguível de outras, e, o que é prejudicial ao entendimento dos fenômenos, pode ser usado de forma a englobar coisas que não lhe caberiam logicamente por incompetência nossa, quando o utilizamos. É essencial porque trabalha na produção de conhecimento aparente, de sombras na caverna que não têm o que quer que você seja para sua sombra (alguém tem um bom termo pra contra-sombra?). Estou só esquentando. Eu poderia continuar fazendo a mesma coisa com vários termos, mas este não é (depois de editado, eu diria “era”) meu ponto.
Meu ponto aqui é um termo específico: homossexual. Inicialmente minha intenção era discutir somente o caráter de sombra-sem-idéia
Eu declaro aqui, em voz alta e em cima de um banquinho, que homossexual não existe. Esta declaração ofende particularmente os homossexuais, justamente pela razão que defenderei ser a de existência desse termo. Identificação, assim como o termo ‘criminoso’. Não chamamos criminoso o cara que voltou bêbado da balada dirigindo, nem chamamos criminoso o cara que fumou um baseado na formatura. Quando eu escrevo criminoso, você automaticamente pensa num cara de barba mal feita, meio sujo, sem trabalho, possivelmente negro ou nordestino, etc. (estudante não conta). E você até agora está, como uma pessoa de bom senso, horrorizado pelo fato de que eu digo que não existem nem criminosos nem homossexuais. Mas fique calmo, fará sentido. Algum, pelo menos.
Lembrando que este texto é direcionado ao homem-maioria, ao qualquer um, ao cara branco que nem para pra pensar em se identificar como heterossexual porque não há razão para tal. Ele, você ou nós – meu leitor-alvo – simplesmente existe tal como é; sente sua própria individualidade em meio a montes de outros brancos amontoados sobre uma suposta heterossexualidade que só surge como termo em oposição ao homossexual como estranho, como estrangeiro. Por tal razão, ele não sente a necessidade de identificar-se salvo em situações particulares, quando perguntado ou questionado (e a honestidade de suas respostas dependerão também de sua capacidade de esconder/desvelar-se a si mesmo, eu suponho, bem como sua auto-identificação).
Enfim, esse cara que você imaginou quando eu escrevi criminoso, que é a razão da existência desse termo, é alguém alheio a você, exterior. Alguém que representa uma figura que não é definida pelo que é, mas pelo que não é. O criminoso não é o seu amigo, não é da sua família, não é sua irmã. Ele é alguém que você teme, alguém que merece ser preso. Se possível, ele nem tem família. Se tiver, são todos criminosos, ou potencialmente criminosos. No máximo vítimas de fatalidade capitalista, mas ainda e sempre carregando a questão da identificação do estranho consigo. É um termo que os membros supostamente respeitáveis de uma sociedade (seus maiores representantes, talvez) usam para identificar pejorativamente quem não é respeitável e comete uma ou outra ou várias ilegalidades que você, como membro respeitável da sociedade, juntamente aos seus compatriotas, desaprova a ponto de produzir um nome especial para identificá-lo como estrangeiro na sua pátria, como alguém que vive entre vocês, entre nós, mas não é um de nós. É um desvio digno de nome, mas isso não o torna um conceito produtivo e efetivo, por falta de clareza e distinção.
Nem o político ladrão é o criminoso. Eles são políticos ladrões, uma raça específica de gente respeitável que comete atos mais abomináveis que o dos criminosos, mas que pode ser seu amigo ou seu irmão. Dependendo do seu histórico de vida inclusive, este termo pode ser utilizado para alguém mais alheio a você do que um criminoso regular, caso você cometa algum crime freqüentemente, como o uso de alguma substancia ilícita, ou o constante descumprimento da ‘lei seca’, militância política subversiva em universidades, etc.
Chego agora, finalmente, ao que inicialmente era meu ponto (embora a esta altura este texto também possa servir para dar descrédito a qualquer outro termo-fantasma, dentre os quais eu não posso deixar de ressaltar ‘Preto’ ou ‘Negro’... afinal, quando termina o negro e quando começa o branco? É mais um ótimo exemplo de termo gerado por auto-identificação que carece de definição ou de propriedade conceitual - já que ancestrais negros, no Brasil ao menos, quase todo suposto “branco” têm).
A sexualidade não é algo de mensurável nem algo de controlado, ela se dirige de forma muito peculiar e complicada, nem ousaria tentar imaginar como ela funciona. Minto, eu não consigo deixar de imaginar, embora também não a compreenda. Mas eu sei muito bem como ela não funciona, e ela não funciona assim. Você não pode ser homossexual, nem heterossexual. Mas os termos existem, para identificar o cara de praticas sexuais duvidosas e comuns em certa direção vaga, variável, mas mais ou menos consensual entre os membros ‘’heterossexuais’’de uma sociedade. Mas não é um conceito bem definido, é algo como livre arbítrio, justiça (que eu defendo existir como fenômeno estético, mas não como conceito) ou criminoso.
Não ousarei provar isso aqui, apenas tentarei fazer com que o raciocínio de vocês acompanhe o meu apontando a impossibilidade de definir o termo homossexual com tentativas sucessivas de definição, partindo do bom senso:
1. O cara que dá bunda: esta definição não funciona, porque você pode ser estuprado. Seu irmão pode ser estuprado, seu pai também. E eles não são viados.
2. O cara que dá a bunda por livre e espontânea vontade: vamos supor que você, heterossexual convicto, resolve experimentar como seria quebrar as ordens de deus em Levítico 18:22. Você encontra um cara bonitão e dá pra ele. E é horrível. Você não é homossexual por isso, só suspeitamente curioso.
3. O cara que dá a bunda por livre e espontânea vontade, mais de uma vez, e gosta: esta já é um pouco mais complicada. Vamos supor este cara. Você ainda não conhece ele. Mas uma vez ele teve um trauma, e nunca mais deu a bunda. Inclusive, por acaso, ele começou a gostar de mulheres; diferente de você, ele não ficava mais tendo sonhos homossexuais, e, como você, ele passou a abominar os homossexuais. Este cara não é mais homossexual, mas heterossexual, ex-homossexual. O que seria impossível se você pudesse ser homossexual, como se é caucasiano ou preto.
Neste ponto, já vemos que homossexual não seria um ser, mas um estar. Mas defendo que nem isto é.
Defendo aqui que o homossexual é o cara que se identifica desta forma, e tem mesmo exatamente esta função: eu sou homossexual. E o faz, sem sabê-lo, por uma pressão externa e interna de identificar sua posição relativa à canalização mais ou menos padronizada da sexualidade dos homens (que afinal é talvez o objeto principal, ou ao menos fundamental, da cultura civilizada – na forma de tabus). A maior parte deles, de nós, com os mesmos impulsos, bate em alguém, trata mal uma mulher, xinga um sãopaulino. Mas ele não, ele dá a bunda. Você poderia fazer o mesmo, muitas vezes, e ninguém jamais saberia, e você seria como um homossexual fantasma. Você pode inclusive gostar que te enfiem algo no rabo enquanto você transa, e isso não te tornará viado (a discussão sobre a diferença entre viado e homossexual fortalece minha posição, ao que me parece, pois explora justamente a ausência de parâmetros de definição do termo...). Você só não vai assumir que o faz, e assim, continuará tão hetero quanto qualquer outro, se conseguir suportar psiquicamente o fardo. Você pode até não saber disso, mas o anus masculino é sensível e adaptado ao prazer de tal forma que é certa ingenuidade dos heterossexuais não fazerem este uso ‘impróprio’ dele (a prova disso é o prazer de cagar, que é extremamente “heterossexual” reafirmar). E não, a direção não faz diferença pra os nervos, e tem muito homem com pau menor do que as merdas que você ama cagar).
O que espero ter começado a explicar, mas não pretendo ter esclarecido totalmente, é como o homossexual acaba se identificando como tal porque ele não consegue esconder de si mesmo que têm certos prazeres, e, ao mesmo tempo, tem outros medos que não os nossos e acaba com um padrão de comportamento que, quando pressionado pela sociedade, o faz ‘assumir’ para si mesmo, saindo do limbo da incerteza: eu sou homossexual.
Quando, na verdade, ele é humano, homem, como qualquer um de nós, como um criminoso que é potencialmente qualquer um de nós, mas que, por diversas razões, vê-se forçado, encurralado, a assumir alguma coisa que não faz sentido. E pode acabar se privando de outros prazeres, como nós homem-maioria nos privamos (e lidará com isso de outra forma, ficando amigo das mulheres ao invés de fazer o que nós fazemos, por exemplo). Mas é só um hábito, só uma farsa, não é nada que exista, que seja ou que possa ser definido, assumido ou identificado de forma clara e distinta, e, por tal razão, não é algo que existe, nem sequer como conceito. É um mal entendido que virou nome, como tantos outros por aí.
E se esta reflexão acaba produzindo uma certa suspeita quanto a veracidade de todos os conceitos, existem alguns que são claros e distintos, embora a suspeita seja sensata como modus operandi por causa da naturalidade com a qual falamos termos, concedendo uma certa existência nominal a eles.
Que fique ai, como demonstração de boa fé, o conceito de conceito – ou definição, como o conceito logicamente perfeito, pois tanto é útil e necessário para o conhecimento* como é claro e distinto: é a união de uma multiplicidade em uma unidade legítima, que resiste à Crítica da própria lógica e é capaz de sustentar algum conhecimento sobre algum fenômeno perceptível.
*Um critério aparentemente duvidoso, no entanto, tão eficiente quanto imprescindível na efetivação de conhecimentos... pois na base de todo o conhecimento, estão axiomas lógicos desta exata natureza por esta exata razão. Mas se o objetivo não é produzir conceitos, mas conhecimento, não há problema algum em produzir conceitos “fantasiosos”, que servem de base para produção de conhecimento como um todo sistemático, como uma só Ciência (trabalhando num paradigma desatualizado de epistemologia, que me pareceu suficiente e apropriado para explicar o que pretendi aqui)