Dysfemismo

Tuesday, April 08, 2008

A Causa Final* de nossa civilização

Eu moro numa caverna wireless, e não entendo disso. Mas me parece, pela confluência de forças e poderes do país, que a estratégia de corrupção é torná-la tão evidente, tão escancarada, tão óbvia e cotidiana, que ninguém se importara o suficiente.

É algo análogo à lei do ‘quanto mais suspeito, menos suspeito’, preceito que se baseia na mesma lógica da assentada proposição do ‘cão que ladra não morde’.

Mas não é exatamente assim. É como se eu só acendesse meus baseados dentro da delegacia, com horário marcado com o delegado, na sala dele, porque isto seria tão ridiculamente absurdo que ele não poderia, ainda que inconscientemente, deixar de escolher entre duas opções a respeito de mim: que eu sou uma aberração psíquica ou que eu sei exatamente o que eu estou fazendo. E, se eu sei o que eu estou fazendo, não é uma boa idéia pra ele fazer o que eu acho que ele vai fazer. Cão que ladra não morde, logo, cão que não ladra, morde. E cão que balança o rabo na frente do leão da justiça, concluirá o delegado, está mal intencionado.

No microcosmo social, no entanto, esta situação não acabaria da mesma forma que acaba no macrocosmo do Estado.

Acontece que um cidadão em ato é menos imbecil do que um coletivo em potência. Um coletivo em ato, a saber, um todo articulado, é proporcionalmente mais poderoso do que um cidadão em ato e um coletivo em potência é proporcionalmente menos poderoso do que um cidadão em ato: proporcionalmente, justamente, ao seu grau de articulação interna.

Eu estimaria, para fins didáticos, que um todo com o grau de articulação do deste país seria equivalente, em potencial político ativo, a um cidadão com as cordas vocais de artérias, os rins de pulmões e os pulmões de rins, o fígado e suas funções desempenhadas pelo esfíncter, o pâncreas pelo hipotálamo e, por fim, o apêndice como sistema nervoso central.

Didáticos, admito, pois se tomássemos como modelo de desarticulação (apropriadamente) o cidadão, buscando o cidadão em potência, teríamos de fazer referência à sua função como cidadão, que, na democracia moderna, se resume a escolher entre dois ou três caras em alguns períodos do ano, e pagar tributos. O que me obstruiria, portanto, as possibilidades lúdicas da estimação didática.

É como se a sociedade fosse reduzida, em termos de força ativa, frente a esse fenômeno cancerígeno do capitalismo, a um cidadão. E, o cidadão, no geral, politicamente reduzido da mesma forma que o empregado de uma fábrica ficou reduzido a alguém que gira uma manivela.

É mais do que alienação do homem como trabalhador, ou desarticulação política no sentido que política tem por aí. É como que uma alienação do homem de sua própria alma, reduzido a uma espécie de hedonista obscuro, a um animal hobbesiano, uma sobreposição de instintos primitivos, pela própria civilização, que, dizem, desde A Queda da tomada de consciência estar ascendendo linearmente (embora não necessariamente sem retrocessos) ao Fim Último, ao jus cosmopoliticus, à Paz Perpétua.

Seriamos, então, como disse uma vez o Profeta, “a warning to the others”? Uma inteira Civilização como a prova empírica para as gerações futuras do que não se deve fazer? Ou então um fantasma, uma sombra de sociedade da qual, algum dia, um grande filósofo nos libertará saindo da caverna, se ele estiver com uma armadura bem forte e agüentar nossos apedrejamentos? O caule venenoso de uma dormideira (papaver somniferum) aos olhos de um comedor de ópio?

*ver Aristóteles

9 Comments:

  • Fiquei curioso para saber de onde veio a inspiração desse post.
    Mas é fato: o povo deste país não é capaz de se articular. Falta cérebro.

    By Blogger Flavio Ferrari, At 3:47 PM  

  • Donde, concluo, não sou um cidadão em potência. Sou um contribuinte impotente.

    By Blogger Ernesto Dias Jr., At 6:38 PM  

  • puta merda rô! você melhorou muito em relação a textos inteligiveis, bons nas idéias, conteúdos, brincadeiras.. fazia tempo que não lia algo seu! agora sim, com outros textos que não só te ajudam acompanhar mas ainda me fazem buscar explicação (ex: *ver aristóteles) eu leio um livro inteiro seu, e quem sabe faço resumo pra aula! ta bom, se um professor indicasse eu nunca leria...

    preciso ir te visitar!!
    abraço!

    By Blogger Gui Ferrari, At 11:40 PM  

  • Será que quando a avó diz que não presta o neto sempre deduz que, então, é bom.
    Partido único, ditador perpétuo...não dá para resumir. Mas dá a impressão de que a História anda meio esquecida. Adorei te encontrar. Mas pára com esse papo de baseado, sim? Muitos beijos.

    By Anonymous Anonymous, At 6:25 AM  

  • se a avó diz, geralmente está certo.
    Quando os pais dizem, geralmente está errado.

    É que os pais dividem o mundo com os filhos, enquanto os avós já estão se retirando e podem ser mais razoáveis.

    E não existe restrição de papo aqui, mas eu posso não falar de tabus no seu blog, isso eu respeito.

    Mas aqui, quanto mais proibido, mais obscuro, indefensável e impensável, melhor

    By Blogger Dr. Voldo, At 7:09 AM  

  • Acho que a minha inspiração veio das pessoas que realmente se importam e tem idéias de mudança por vias internas ao sistema, tipo ongs, filantropias e outras ferramentas do sistema para liberação do complexo de culpa da classe dominante sem prejudicar estruturalmente o interesse do capital.

    Porque essa gente realmente sabe do que acontece, se importa, se informa, algumas até poderiam apontar semanalmente meia dúzia de falcatruas escancaradas; and yet, elas estão tão presas ao sistema, por sei lá que razão (daí a suposição sarcástica de que seja uma estratégia obscura do governo), que só pensam em soluções por dentro, já que é mais fácil e mais razoável, porque, pra qualquer pessoa, uma ação que envolva a necessidade de muitas outras pessoas (como uma revolução) é impossível.

    Esse raciocínio fica nitidamente provado quando, por exemplo, alguém tem a idéia de construir uma ponte, um arqueduto ou qualquer outra atividade que envolva a associação de seres humanos sob a égide de um fim razoável.

    É tão óbvio.

    By Blogger Dr. Voldo, At 7:16 AM  

  • Rodrigo, estou com saudades de você. Apareça. Ou marquemos um almoço ou jantar. Aliás, seu avô também está com saudades. Beijos.

    By Anonymous Anonymous, At 12:09 PM  

  • Perdoe-me por "pisar na bola". É muito difícil explicar o moralismo do coração de uma avó. Não fui eu que falei: foi meu coração. Apareça.

    By Blogger zuleica-poesia, At 6:23 AM  

  • A sublevação exige muito esforço e creio que as sociedades são meio "umbilicadas" !
    A grande maioria "vai levando como dá" e a pequena minoria (kkk)"vai usufruindo como pode" .

    Horrível, não!?

    By Blogger Suzana, At 12:29 PM  

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