Dysfemismo

Wednesday, July 19, 2006

A Filosofia da Consciência

Damos nomes à todas as coisas. A algumas, mais de um, inclusive. Um gato, por exemplo, é algo que tem um nome. Por outro lado, certos nomes que utilizamos não representam absolutamente nada que exista; existem casos em que o nome que utilizamos não corresponde a nenhuma entidade “real”, mas apenas a um vago conceito gerado por impressões diversas, subjetivas, e que ao longo de nossas vidas nos acostumamos tanto a utilizar que poderíamos jurar com todas as nossas forças que tal conceito corresponde, de fato, a algo concreto. Isso é um erro fatal, especialmente quando se trata de conceitos-chave para nossas vidas. Um bom exemplo disso é a palavra felicidade.
É óbvio que não existe felicidade. Não há um conjunto de processos químicos específico e distinguível em nosso teatro de sinapses que possa ser considerado como correspondente perfeito daquilo que chamamos felicidade. Pode até ser que um ou outro grupo de cientistas venha provar que encontrou o gene da felicidade, ou que um ou outro psiquiatra venha a prescrever uma felicidade em pílula. Mas, sobre isso, já escrevi a um ou outro texto atrás.
Mas a palavra existe. Existe porque é um termo, um acordo; o que eu pretendo fazer é inseri-la em minha filosofia: a felicidade é, para mim, uma vida transcorrida, no mais elevado grau possível, segundo seus próprios preceitos morais. Uma prática de acordo com sua consciência. Isso é extremamente relativo, porque cada um tem valores morais diferentes; cada um sofreu diferentes repressões, desenvolveu diferentes superegos, absorveu diferentes ideais e objetivos. Mas não é uma questão de fazer determinadas coisas. Nem uma questão de fazer aquilo que imediatamente te traz prazer. É uma questão de poder dizer, naturalmente, que não faz coisas que considera erradas.
Em primeiro lugar, toda vez que você falhar, toda vez que for abandonado, toda vez que não alcançar seus objetivos, seu sofrimento será passageiro. Você se recuperará. Caso você tivesse agido contra seus próprios preceitos morais, sua recuperação seria lenta e dolorosa, e provavelmente jamais chegaria a se completar eficientemente. Quando fazemos algo que consideramos moralmente repreensível, aquilo é uma martelada no gongo que sofreremos pelo resto de nossas vidas, a menos que nosso centro de repressão se encarregue de elimina-la de nosso consciente; neste caso, ela deixará de ser uma martelada no gongo e passará a ser um fantasma que te assombrará em pesadelos e momentos íntimos de auto-sabotagem inconsciente.
O que quero dizer é o seguinte: alguém que não sofreu repressões ao longo de sua vida a ponto de poder mentir, trair, sacanear, puxar tapetes e etc., não deve se sentir acanhada a fazer tais coisas se elas lhe convierem em determinados momentos. Mas que fique claro que isso só é recomendável a quem realmente não é afetado pelos valores éticos predominantes no mercado da moral; não adianta dizer que não tem problema com isso e ficar se remoendo depois.
A vida infeliz é aquela em que seu ideal de si mesmo (os valores que você introjetou ao longo de seu desenvolvimento) se choca violentamente com aquilo que você realmente é, e você tem consciência disso. Porque quando você consegue eficientemente se enganar a sua vida toda e realmente acreditar que seu ideal de ego corresponde perfeitamente ao seu ego, você realmente será feliz. É uma felicidade perigosa, pois a qualquer momento você está sujeito a se deparar com a triste realidade. Mas se isso não acontecer, esta ótimo (na verdade eu realmente considero isso impossível, a menos que você sofra de algum tipo de psicose).
O problema é que somos criados com valores extremamente rígidos e praticamente inatingíveis, o que torna quase inevitável que nossos idéias morais se choquem com nossas praticas cotidianas.
Para a maior parte das pessoas, impiedosamente catequizadas pela repressão civilizatória da moral platônica, é como se Deus tivesse estabelecido padrões de certo e errado absolutos. O que eu quero dizer é o seguinte: ainda que Protágoras esteja certo, ainda que o homem seja a medida de todas as coisas, o próprio homem foi tão eficiente em estabelecer e disseminar padrões de certo errado a toda uma civilização que as coisas transcorrem quase exatamente como se os elevadíssimos idéias moralistas e maniqueístas da releitura platônica do judaísmo fossem, de fato, absolutos. Então, na prática, não faz diferença se foi Deus, se foi o Cosmos, se foi a Seleção Natural (caso os padrões de certo e errado estejam inscritos de certa forma em nossos códigos genéticos...) ou se foi o Homem que estabeleceu tal noção maniqueísta, a partir do momento em que é incontestável que a civilização ocidental é acometida por tal noção, em maior ou menor grau, mais ou menos de forma homogênea.
A partir daí, considero dois caminhos, que devem ser trilhados simultaneamente, para alcançar um máximo de correspondência entre seu ideal de si mesmo e sua pratica cotidiana: o primeiro é o de adaptar suas práticas à seus ideais; o segundo, o de adaptar seus ideais a suas práticas.
A felicidade plena é essa correspondência plena. Ela é, provavelmente, inatingível (considero como possíveis exceções alguns tipos de psicose e de fanatismo). Mas é plenamente atingível em escalas mais moderadas, o que torna extremamente possível uma vida razoavelmente feliz segundo meus critérios.


(Minha Filosofia da Consciência é uma espécie de releitura psicológica do neo-platonismo confrontado à luz da sofística moderna. Pouco provável que alguem já nao tenha escrito algo assim antes, menos provável ainda que não contenha “erros” – ver prefácio - para as ciências ultrapassadas [que ainda nao se tornaram pós-modernas] , e infinitamente improvável que eu não venha a corrigi-lo em breve).

[Brilhante ressalva de minha ilustre colega cientista, Luisa Hugerth, a respeito do terceiro periodo deste texo: "Um gato nao é algo que tem um nome, é algo que tem 247 nomes e nao atende por nenhum deles"*a citação nao foi exata, mas é algo do genero]

Apêndice:
Resulta daí que a mais interessante educação moral para a juventude de uma sociedade é aquela que nao é liberal a ponto de permitir que seus cidadãos a destruam sem peso algum em suas respectivas consciencias, mas também nao tão rígida a ponto de se tornar impossível de se corresponder na prática - o que acarretaria em uma população infeliz

11 Comments:

  • Acho lúcida, lógica e, para minha surpresa, até otimista sua filosofia. Esperar a Felicidade completa é se comprometer indefinidamente com a frustração.
    Que bom sabê-lo capaz de usufruir seus momentos felizes!

    By Anonymous Anonymous, At 5:37 PM  

  • pois é, mas a foto continua a mesma..

    By Blogger Dr. Voldo, At 9:28 PM  

  • A felicidade ou infelicidade "brota" a partir de uma ou mais experiências externas ou internas.
    O que decorre daí é o peso que cada um da a isso(e as vezes o peso é imenso, fazer, o quê?).
    Mas tem também aquele que vê uma saída, tem recursos e volta a sentir a tal da "felicidade mais cedo.
    Isso, é uma das coisas que diferem as pessoas.
    Acho que é por isso que a gente as vezes fala:"puxa aquela pessoa tá sempre amarga né?"
    Em tempo: EU ADORO AQUELA FOTO!!!!
    Zan

    By Anonymous Anonymous, At 2:07 PM  

  • Tudo bem, eu mesma já aprendi muito com vocês sobre flexibilidade, não é?

    By Anonymous Anonymous, At 6:23 PM  

  • vocÊs quem?
    até aonde sei, eu ainda sou uma pessoa só...

    By Blogger Dr. Voldo, At 12:30 AM  

  • Sempre foi assim e aqui também há quem reclame, igualzinho a você...
    Será uma falha incorrigível?
    Até aonde me aguentarão com essa mania de uniformização pela fraternidade?

    By Anonymous Anonymous, At 11:58 AM  

  • Acredito que todos nós, pelas experiências passadas na vida compreendemos que a felicidade plena realmente não é cabível. Aquele sonho de que quando eu conseguir isso, fizer aquilo, então serei feliz é tão utópico que deixamos escapar pelos dedos os momentos felizes que deveríamos aproveitar por completo, até o último segundo. Afinal, não há bem que dure para sempre, nem mal que nunca se acabe.

    By Anonymous Anonymous, At 12:29 PM  

  • Não é uma mania só sua..
    é extremamente comum em quem menospreza traços de personalidade em função da ocupação familiar que o individuo desempenha..
    "meus pais isso" (como se fossem uma pessoa só, só porque compoem uma instituição) ou "meus avós aquilo", "meus tios aquilo outro.."

    By Blogger Dr. Voldo, At 12:43 PM  

  • Eu menosprezo traços de personalidade!?
    Juro que tento respeitá-los!
    Tinha até uma esperança presunçosa de que conseguia fazê-lo...
    E agora?...

    By Anonymous Anonymous, At 4:01 PM  

  • Essa prática, de reconhecer quem você realmente é, me lembra muito a 'humildade do guerreiro', do Don Juan.

    By Anonymous Anonymous, At 7:00 AM  

  • bom comeco

    By Anonymous Anonymous, At 12:27 AM  

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